Caderno de Maya é completamente
diferente do que tenho lido da autora. Ler Allende a encarnar uma miúda dos
dezasseis aos dezanove, com um percurso problemático, linguagem muito própria e
tudo o que a adolescência acarreta, mostrou-se inicialmente estranho para mim.
Mas agora vejo que foi uma forma de exorcizar os seus fantasmas, visto que a
autora sofreu o drama familiar da dependência de drogas, através dos seus
enteados, durante anos.
Em O Caderno de Maya a autora
monta a narrativa entre o presente e flashbacks que nos vão dando a conhecer o
que aconteceu a Maya e o que a levou a Chiloé. Nem sempre este estilo resulta.
No caso, resultou. A minha curiosidade aguçou-se tanto para saber mais sobre
esta ilha chilena e a nova realidade de Maya, como pelo seu passado misterioso.
A forma como Isabel Allende
escreve é soberba. Dei por mim várias vezes a pensar em como tudo parecia tão
real e em como na minha cabeça, eu percorri todos os cenários, imaginei todos
os personagens e vivi em todos os cenários onde Maya passou.
Inicialmente ficamos a saber que Maya foi
enviada para Chiloé, uma ilhota com trezentos habitantes, pela sua avó. Vai
ficar a cargo de Manuel Arias e para os curiosos chilotas, é apenas uma estudante
de férias e que veio ajudar Manuel com o seu livro. A par disso vamos
conhecendo os habitantes, os seus hábitos e tradições. Nas referências a
Chiloé, Isabel Allende aproveitou para inserir uma parte da história política
do país, com o golpe militar e o regime de ditadura que o país viveu, após a
queda do regime de Salvador Allende, tio da autora.
Noutro cenário, a autora
mostra-nos como chega Maya a Chiloé. Ou seja, todo o percurso que fez entre os
16 e os 19 anos (havendo também referência anteriores). Foi criada pelos seus
avós, a sua Nini e o seu popo. O pai estava sempre ausente em trabalho, a mãe
abandonou-a quando tinha poucos dias. Então, com a morte do seu avô, a vida
daquela unidade composta por Maya e os avós desmorona-se.
Maya vai passar por um percurso
torbulento, perigoso e que jamais ela poderia prever. Quando dá por si, a sua
vida está de pernas para o ar e há realmente o perigo de morrer. Em vários
momentos, bastaria fazer um telefonema para a avó Nini e ela viria salvá-la.
Mas será isso que Maya irá fazer?
Os personagens, o drama, os
cenários que Isabel Allende descreve nesta fase da vida de Maya estão
construídos de forma engenhosa, que nos obriga a ter medo por ela, a suster a
respiração, a olhar por cima do ombro e a desconfiar de todos.
Tal como diz a autora acerca de
Maya “em algumas cenas apeteceu-me dar-lhe um par de estalos para chamá-la à
razão, e outras envolvê-la num abraço apertado para a proteger do mundo e do
seu próprio coração imprudente”.
De facto, existiam os ingredientes para um bom romance: as paisagens dos vinhedos e os aromas dos vinhos e das ervas francesas, o mistério do passado ligado a duas famílias desconhecidas, o amor a florescer… mas, na verdade, houve qualquer coisa na forma como a história foi contada que não me fez devorar o livro. Nem as descrições da vida rural duma pequena aldeia francesa, com as suas paisagens luxuriantes e os aromas que por norma me fazem sonhar e viajar entre páginas, me cativaram por aí além.
O que para mim não funcionou: a autora apresenta-nos, numa primeira parte, a história de Melanie. Estava a gostar bastante e, de repente, surge uma outra história, a de Honor. Mas eu queria era ler sobre a outra história e foi por pouco que não passei adiante para acompanhar a vida de Melanie, de seguida. Ou seja, desta forma, Honor para mim foi desinteressante e quase um suplício. Se a autora fosse contando a história em simultâneo penso que a forma como “agarrei” o livro teria sido diferente.
Melanie estuda na Califórnia para ser, um dia, uma vinicultora. Aprende com os mestres e sente-se realizada. A sua estrutura familiar são os avós, que a criaram desde pequena. Ainda que tenham sido as circunstâncias da vida, ela não consegue esquecer que foi criada longe da mãe e que esta agora tem uma família feliz, da qual Melanie não sente que faz parte. Igor, o padrasto, é um aficionado por vinhos raros e tem uma relação complicada com Melanie. No entanto, vão unir-se de uma forma que gostei bastante.
Honor é indecisa e inconstante. Um pouco perdida em Londres, vai viver com o namorado para França, num lugarejo chamado Astignac, que parece tirado de um cenário de encantar. Mas cedo se apercebe que, mais uma vez, não é aquilo que deseja. Hugo passa a vida a viajar em negócios e ela sente-se sozinha e insegura. Acaba por voltar para Londres e agarra uma oportunidade no mundo artístico.
Por força do destino, estas duas jovens encontram-se, já perto do fim do livro e aí acontece tudo de uma vez. Senti que estive a ler quase trezentas páginas em que pouco ou nada de interessante aconteceu e, depois, acontece tudo num ápice. Achei um pouco forçado.
Gostei particularmente de Poppa, o avô de Melanie. É ele que traz à história alguma doçura, meiguice, na relação com a neta e o mistério da história, envolvido em memórias da Segunda Guerra Mundial. Gostei da parte das falsificações de vinhos raros (e caríssimos). Pelo menos, apimentou um pouco a história e deu-nos a conhecer um pouco desse mundo dos coleccionadores . Achei também interessante ficar a conhecer um pouco mais da produção de vinhos. No entanto, foi numa fase do livro pouco cativante para mim, pelo que não apreciei completamente.